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De taxação do Pix a golpe pelo WhatsApp, monitoramento financeiro da Receita gerou muita fake news; mas como de fato afeta você?

Na última semana, uma atualização nas regras da e-Financeira, a declaração que as instituições financeiras precisam entregar periodicamente à Receita Federal com as movimentações dos seus clientes, provocou polêmica e uma onda de fake news nas redes sociais e aplicativos de mensagens como o WhatsApp, principalmente envolvendo uma suposta taxação do Pix.

Com a entrada em vigor da Instrução Normativa IN RFB nº 2219/2024 em 1º de janeiro, começaram a circular boatos de que as transferências por Pix passariam a ser tributadas ou taxadas de alguma forma, trazendo de volta para o imaginário do brasileiro o fantasma da finada CPMF, contribuição obrigatória sobre movimentações financeiras que vigorou no Brasil de 1997 a 2007.

Até mesmo golpistas se aproveitaram da história da suposta taxação do Pix. Passando-se pela Receita Federal, eles entraram em contato com suas vítimas por WhatsApp dizendo que algum Pix que elas haviam feito tinha sido taxado e solicitando pagamento para o CPF da pessoa não ser bloqueado.

Imagem do golpe - Reprodução: Receita Federal.

Provavelmente, ninguém na Receita Federal esperava que uma mudança regulatória na prestação de contas feita por instituições financeiras ao Leão — e não pelas pessoas físicas — fosse causar tanta polêmica e confusão.

Tanto a história da “taxação do Pix” quanto os golpes levaram o Fisco a se pronunciar oficialmente por meio de notas nos últimos dias. Primeiro, desmentindo que as transferências seriam tributadas; em seguida, alertando para as fraudes baseadas em informações falsas.

Para além disso, porém, surgiram interpretações equivocadas das novas regras, sugerindo que agora as transferências bancárias, incluindo Pix, precisariam ser declarados pelas próprias pessoas físicas que as fizeram ou receberam; ou que trabalhadores informais que fossem remunerados via Pix não conseguiriam mais fugir do Leão, entre outras polêmicas.

 

Não, não vai ser você que vai ter que declarar

Começando pelo início, já noticiamos no Seu Dinheiro, mas não custa repetir e esclarecer: as mudanças que entraram em vigor neste ano dizem respeito à e-Financeira, uma declaração enviada pelas instituições financeiras à Receita Federal que contém as transações financeiras feitas pelos seus clientes.

Trata-se de declaração similar àquelas que empresas de saúde e do setor imobiliário enviam ao Leão e que auxiliam a Receita no cruzamento de dados com os rendimentos e despesas declarados pelos contribuintes pessoas físicas na Declaração de Ajuste Anual.

A partir desse cruzamento, o Fisco verifica se as informações prestadas pelos contribuintes estão corretas e se os gastos e bens das pessoas físicas são condizentes com a sua renda. Assim, a Receita consegue detectar possíveis casos de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Esse procedimento não é novo, e a própria e-Financeira existe desde 2015. O que aconteceu, neste ano, foi uma ampliação do escopo desta declaração para outros tipos de transações e empresas financeiras; e a mudança nos valores mínimos que obrigam estas instituições a informarem as transações ao Leão.

Vamos esmiuçar esses pontos adiante, mas até aqui, o que você precisa saber é: as novas regras não afetam a declaração de imposto de renda que você entrega ao Leão todo ano, nem obrigam a pessoa física a entregar um novo tipo de declaração, reportando as suas transações financeiras à Receita Federal. As mudanças afetam a declaração enviada pelas empresas financeiras, como os bancos.

As mudanças na e-Financeira

A principal mudança estabelecida na Instrução Normativa publicada em setembro de 2024 e que entrou em vigor agora em 2025 foi a ampliação do escopo de instituições financeiras que ficam obrigadas a entregar a e-Financeira à Receita.

Desde 2015, as instituições financeiras tradicionais já eram obrigadas a fazer essa declaração, sendo que já prestavam informações ao Leão desde 2008.

É o caso de bancos públicos e privados, financeiras, cooperativas de crédito, administradoras de consórcios, instituições responsáveis por planos de previdência, seguradoras, corretoras de valores, administradoras de fundos de investimento (ou os próprios fundos, dependendo da natureza do produto) e corretoras de câmbio.

Agora, além destas instituições, também ficam obrigadas a enviar a e-Financeira, com as mesmas informações, as administradoras de cartões de crédito e as Instituições de Pagamento (IPs), empresas autorizadas pelo Banco Central a oferecer serviços financeiros relacionados a pagamentos, como transferências, recebimentos e emissão de cartões.

Entre as IPs encontram-se plataformas e apps de pagamento (caso do PicPay), bancos digitais (como Nubank, banco Neon) e varejistas de grande porte que oferecem serviços financeiros.

Importante notar que as operações com cartões de crédito já eram reportadas à Receita Federal desde 2003, mas por meio de outra declaração, a Decred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito).

No entanto, a partir deste ano essas informações passam a ser prestadas por meio da e-Financeira, tendo sido a Decred descontinuada.

Uma segunda mudança importante foram os novos valores mínimos para que as transações financeiras sejam informadas à Receita: um somatório de R$ 5 mil por mês, no caso das pessoas físicas, e R$ 15 mil por mês, no caso das pessoas jurídicas.

Antes, para as instituições que já eram obrigadas a entregar a e-Financeira, estes valores eram de R$ 2 mil e R$ 6 mil, respectivamente.

Finalmente, a nova Instrução Normativa que regulamenta a e-Financeira dá nomes a alguns bois que não eram nomeados na IN anterior, especificando que, para apurar as movimentações que devem ser informadas ao Fisco, devem ser consideradas:

  • Operações feitas por meio de cartões de crédito, cartões private label e cartões de débito;
  • Pagamentos via Pix (Sistema de Pagamentos Instantâneos - Pix);
  • Operações efetuadas por intermédio dos demais instrumentos de pagamentos eletrônicos.

Interpretações equivocadas: a Receita já tinha acesso ao seu Pix

A partir das mudanças anunciadas, surgiram duas interpretações equivocadas que cabe esclarecer.

A primeira delas é de que “tornou-se suspeito fazer transferências que somem mais de R$ 5 mil por mês” e que “trabalhadores informais e empresas que sonegam impostos agora serão ‘pegas’ pela Receita ao movimentarem cifras acima dos valores mínimos”, como se antes isso não fosse possível.

Em primeiro lugar, movimentações de dinheiro feitas por intermédio de instituições financeiras tradicionais já eram monitoradas. Mesmo quem só utilizava IPs pode já ter tido dados sobre suas transações compartilhados com a Receita pela e-Financeira, uma vez que muitas IPs fazem parte de conglomerados integrados por outros tipos de empresas que já eram obrigadas a enviar a declaração ao Fisco.

Bancos digitais que oferecem investimentos e crédito, por exemplo, o fazem por meio não da IP, mas de uma financeira ou corretora de valores que faça parte do mesmo grupo empresarial.

Em segundo lugar, já existiam valores mínimos que obrigavam ao envio de informações à Receita, e anteriormente eles eram ainda menores: R$ 2 mil para pessoas físicas e R$ 6 mil para pessoas jurídicas, como já mencionado.

Segundo esclarecimento da Receita Federal nesta semana, “não há, contudo, impedimento de valores inferiores aos limites da norma serem enviados pelas instituições declarantes.”

A segunda interpretação equivocada é de que “agora o Pix é monitorado”, como se antes a Receita não tivesse acesso às movimentações feitas via Pix.

É verdade que a nova IN menciona expressamente as operações feitas com cartões de débito e Pix, e a norma anterior não.

Mas o que as regras da e-Financeira sempre estabeleceram era que as instituições financeiras precisavam informar os saldos e os totais movimentados a crédito e a débito nas contas dos seus clientes, sem distinção da sua natureza. Ou seja, independentemente se a movimentação se deu via Pix, débito em conta, TED ou mesmo saque.

Em um de seus esclarecimentos da última semana, a Receita Federal disse que “quando uma pessoa realiza uma transferência de sua conta para um terceiro, seja enviando um Pix ou fazendo uma operação do tipo DOC ou TED, não se identifica, na e-Financeira, para quem ou a que título esse valor individual foi enviado.”

Mais adiante, a nota diz que “Da mesma forma que ocorre com o somatório dos valores que saem de uma conta, há, também, a contabilização dos valores que nela ingressam. Na e-Financeira, não se individualiza sequer a modalidade de transferência, se por PIX ou outra. Todos os valores são consolidados e devem ser informados os totais movimentados a débito e a crédito numa dada conta.”

“Em resumo, o que mudou foi o rol de obrigados à entrega da e-Financeira, que foi ampliado. Antes não seguia para a Receita o extrato do cartão de crédito; seguia apenas a movimentação financeira para a sua quitação. Mesma coisa em relação ao Pix: se a compra na internet agora será divulgada pela ferramenta de pagamento, antes o banco já informava a movimentação para a quitação (ou recebimento do valor, no caso do vendedor)”, diz o advogado tributarista Samir Choaib, sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados Associados.

Tudo isso quer dizer que:
1. A Receita já tinha acesso às movimentações financeiras dos clientes de instituições financeiras tradicionais e, indiretamente, até mesmo de IPs, em certos casos;
2. A Receita já tinha acesso às movimentações financeiras superiores a R$ 5 mil no caso de pessoas físicas clientes das instituições que já enviavam a e-Financeira, até porque o valor mínimo mensal anterior era de R$ 2 mil por mês — o que também não quer dizer que movimentações de valores menores não possam ser enviadas.
3. A Receita já monitorava o Pix, ainda que indiretamente, porque o que de fato deve constar na e-Financeira são os saldos, créditos e débitos, sem distinção de tipo de operação, se Pix ou outra. Ou seja, não é que o monitoramento do Pix começou só agora.

Assim, no caso dos trabalhadores informais e daqueles que deixam de declarar e tributar alguma renda, de forma geral, a menos que eles só recebam e gastem em dinheiro vivo, a Receita Federal muito provavelmente já tinha acesso às suas movimentações. O mesmo vale para as empresas que sonegam imposto. Em outras palavras, o Fisco já tinha as ferramentas para “pegar” esses contribuintes.

“Estamos num grande “big brother tributário”. Aqueles que optam por sonegar estão apostando na sorte e na incapacidade ou desinteresse da Receita em fiscalizar coisas pequenas. As informações o Fisco tem (salvo para operações realizadas em dinheiro)”, diz Samir Choaib.

Ele diz que não há dúvida de que as informações que a Receita tem — e já tinha antes — vêm sendo aprimoradas, e que sonegar (com créditos em conta ou recebimento em cartão de crédito) é apostar e jogar com a sorte. “Esses pequenos empresários já podiam ser pegos antes e agora mais ainda”, diz o advogado.

Taxação do Pix é fake news

A fake news da taxação do Pix motivou uma série de esclarecimentos por parte da Receita e outros órgãos do governo federal no sentido de negar que esse tipo de transação possa vir a ser tributada algum dia.

Em sua primeira nota desta semana, a Receita Federal esclarece que a edição da nova IN “não implicou qualquer aumento de tributação, tratando-se de medida que visa a um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária, a partir da qual será possível oferecer melhores serviços à sociedade, em absoluto respeito às normas legais dos sigilos bancário e fiscal. Os dados recebidos poderão, por exemplo, ser disponibilizados na declaração pré-preenchida do imposto de renda da pessoa física no ano que vem, evitando-se divergências.”

Ainda sobre sigilo bancário, o Fisco reforça que na e-Financeira inexiste “qualquer elemento que permita identificar a origem ou a natureza dos gastos efetuados.”

Em sua segunda nota da semana, para alertar sobre o golpe que utiliza a suposta taxação do Pix como pretexto, o Fisco informa que “não existe tributação sobre Pix, e nunca vai existir, até porque a Constituição não autoriza imposto sobre movimentação financeira.”

“A Receita Federal, portanto, NÃO cobra e JAMAIS vai cobrar impostos sobre transações feitas via Pix. O que está ocorrendo é apenas uma atualização no sistema de acompanhamento financeiro para incluir novos meios de pagamento na declaração prestada por instituições financeiras e de pagamento.” - nota da Receita Federal. 

Até mesmo o presidente Lula publicou um vídeo fazendo uma doação em Pix para o Corinthians, seu time do coração, para desmentir a suposta taxação do Pix: 

Não, quem movimenta mais de R$ 5 mil por mês não vai necessariamente ‘pagar mais imposto’ ou ficar obrigado a declarar

Outra confusão/fake news que surgiu nesta semana diz respeito ao valor de R$ 5 mil por mês ser também limite para tributação ou declaração de imposto de renda.

Por exemplo, que quem movimenta mais de R$ 5 mil por mês agora terá que pagar IR, caso antes fosse isento; ou que ficaria obrigado a declarar, caso antes fosse dispensado.

Acontece que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Valor de movimentação financeira não é o que torna alguém obrigado a pagar imposto de renda, e sim o valor dos rendimentos, tributados segundo a tabela progressiva do IR. Atualmente ficam isentos de imposto de renda aqueles contribuintes que têm rendimentos formais até R$ 2.824 por mês.

Da mesma forma, também não há regras de obrigatoriedade de entrega da Declaração de Ajuste Anual relacionadas a valor de movimentação financeira. O que obriga um contribuinte a entregar a declaração são fatores como valor da renda bruta tributável sujeita ao ajuste anual, valor do patrimônio ou valor dos rendimentos isentos recebidos no ano. Por exemplo, aqui você encontra as regras de obrigatoriedade do IR 2024.

Moral da história: é fato que o cerco apertou, mas na prática não mudou muita coisa para o contribuinte

O resumo da ópera é que sim, a Receita aprimorou um pouco mais o seu monitoramento das operações financeiras, incluindo novas instituições e dando mais clareza aos processos, o que resulta num aperto adicional do cerco à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro.

Mas isso não representa nem a criação de novos tributos — muito menos sobre o Pix —, nem que o contribuinte ficará obrigado a informar suas transações ao Leão. Também não significa que movimentações financeiras, por si sós, obrigarão pessoas hoje isentas a pagarem imposto ou entregarem a declaração.

Na prática, para o contribuinte pessoa física, pouca coisa muda de fato, pois a Receita já tinha acesso às movimentações financeiras, incluindo Pix, em boa parte das instituições hoje obrigadas a entregar a e-Financeira.

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