A visita oficial do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, nesta quarta-feira (20/11), é marcada por protocolos, forte esquema de segurança e uma série de acordos e memorandos assinados.
Nos últimos meses, diplomatas dos dois países se revezaram em visitas mútuas e reuniões para reunir um “pacote” de entregas para celebrar os 50 anos das relações diplomáticas entre os dois países.
Mas a visita do líder chinês não é marcada apenas pelo que é anunciado.
A expectativa entre diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil nas últimas três semanas é de que a visita do líder chinês também seja marcada por uma ausência: a não adesão do Brasil ao projeto “Cinturão e Rota”, também conhecido como “Nova Rota da Seda”.
Trata-se de um programa trilionário chinês iniciado em 2013 que prevê a realização de obras e investimentos para ampliar mercados para a China e a presença do país no mundo.
Nos bastidores, os chineses vêm cortejando o Brasil a aderir ao projeto há anos.
Havia até a expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pudesse anunciar uma adesão ao projeto em 2023, quando fez uma visita oficial à China.
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Isto, porém, não se concretizou e governo brasileiro vem mantendo a política de seguir perto o suficiente dos chineses sem aderir ao projeto do país asiático.
As investidas chinesas vêm incluindo acenos ao Brasil como a concordância do país para que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assumisse a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como Banco dos Brics, visitas de delegações governamentais chinesas ao Brasil e de brasileiros à China, além de bilhões de dólares em investimentos em diversas áreas.
Mas, mesmo com todas as investidas chinesas, contudo, a expectativa era de que não fosse dessa vez que o Brasil aderisse à “Nova Rota da Seda”.
Confirmando o que já era esperado, em seu discurso ao receber Xi Jinping, Lula descreveu a forma como o Brasil equilibra o desejo chinês de ter o país na "Nova Rota a Seda" e o pragmatismo brasileiro.
Em vez de adesão, Lula prometeu uma espécie de conexão entre o programa chinês e projetos de interesse do Brasil. Para isso, usou o termo que vem sendo repetido por diplomatas brasileiros quando o assunto é mencionado: sinergias.
"Estabeleceremos sinergias entre as estratégias brasileiras de desenvolvimento, como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Rotas da Integração Sul-Americana, e o Plano de Transformação Ecológica, e a Iniciativa Cinturão e Rota", disse o presidente brasileiro.
Nas últimas semanas, a BBC News Brasil conversou com diplomatas e especialistas em relações internacionais para entender o que faz com que o país, um dos principais aliados da China fora da Ásia, hesite tanto em aderir à “Nova Rota da Seda”.
Segundo eles, a decisão faz parte de uma mistura de fatores que envolve a tradição diplomática brasileira, o cenário internacional conturbado e a percepção entre os tomadores de decisão brasileiros de que o país teria pouco a ganhar com uma eventual adesão ao projeto.
O que é a “Nova Rota da Seda”
O “Belt and Road Initiative” é o nome em inglês ao que ficou conhecido como “Nova Rota da Seda” ou “Iniciativa Cinturão e Rota”, na tradução direta para o português.
Lançado em 2013 pelo governo chinês, é um projeto trilionário voltado à construção de infraestrutura, incluindo rodovias, ferrovias, portos e obras no setor energético, como oleodutos e gasodutos que conectam a Ásia à Europa.
Estima-se que, desde o início, os investimentos variem entre US$ 890 bilhões (R$ 4,46 trilhões) e US$ 1 trilhão (R$ 5 trilhões).
O nome “Nova Rota da Seda” remete à histórica rota comercial do primeiro milênio que ligava a Ásia à Europa Central.
Originalmente focado na região conhecida como Eurásia, o projeto expandiu-se para regiões como África, Oceania e América Latina.
Segundo o centro de estudos norte-americano sobre relações internacionais Council on Foreign Relations (CFR), 147 países aderiram formalmente ou demonstraram interesse no plano. Isso representa dois terços da população mundial e 40% do PIB global.
Na América Latina, em torno de 20 países integram a iniciativa, incluindo a Argentina, que assinou um memorando de adesão em abril de 2022.
Especialistas consideram o projeto uma estratégia de expansão econômica e política da China, hoje a segunda maior economia global, com previsões anteriores à pandemia indicando que poderia ultrapassar os Estados Unidos até 2028.
No entanto, o projeto enfrenta críticas junto à comunidade internacional, como o risco de superendividamento de países que contratam os financiamentos. Um exemplo foi o Sri Lanka, que em 2018 transferiu para o governo chinês o controle de um porto construído no país com recursos chineses depois que a nação asiática não conseguiu mais pagar as parcelas de sua dívida com o governo de Pequim.
A China rebate essas acusações, alegando que as críticas visam prejudicar sua reputação internacional.
Mas se a China aparenta estar disposta a investir seus recursos e ampliar o fluxo comercial com países como o Brasil, por que o país vem evitando aderir à iniciativa
Tradição e cálculo
Um diplomata brasileiro ouvido em caráter reservado pela BBC News Brasil disse que um dos motivos pelos quais o Brasil não adere à “Nova Rota da Seda” é tradição da política externa brasileira.
Historicamente, o Brasil evita alinhamentos automáticos com superpotências como a China. Mesmo durante a ditadura militar, fortemente apoiada pelo regime norte-americano entre os anos 1964 e 1985, o regime dos generais brasileiros manteve certo distanciamento em relação aos Estados Unidos.
Conhecido como uma potência média ou uma potência regional, o Brasil é conhecido (e eventualmente criticado), por adotar uma política externa que tenta manter diálogo com diferentes blocos e nações enquanto tenta fazer avançar suas próprias agendas no cenário internacional.
A tese por trás desse comportamento é a de que o alinhamento do Brasil a um determinado bloco econômico ou político não gera, necessariamente, benefícios ao país e ainda pode prejudicá-lo em negociações com outros blocos ou nações.
O diplomata disse, por exemplo, que uma adesão à “Nova Rota da Seda” poderia prejudicar as relações do país com outros blocos ou países como os Estados Unidos, que oficialmente vê a China como sua principal adversária geopolítica no mundo.
“Os diplomatas também temem que o Brasil perderia voz e influência nas relações com a China, tendo que negociar com as dezenas de países que formam a iniciativa. Há o risco de retaliações comerciais por parte dos Estados Unidos. Tudo isso somado fez com que o governo brasileiro optasse por não aderir à Nova Rota da Seda”, afirma o professor.
Pablo Ibañez, coordenador do Centro de Altos Estudos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e ex-pesquisador visitante da Universidade Fudan, em Xangai, na China, também descreve esse cenário.
“O Itamaraty pensa assim: ‘Por que a gente vai passar a ter um alinhamento ainda maior com esse grupo (a China) em um momento extremamente delicado em que, no Ocidente, entende-se que a China é uma aliada da Rússia?’”, diz à BBC News Brasil.
Países europeus e os Estados Unidos veem com desconfiança iniciativas como os Brics, grupo inicialmente fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que vem se expandindo nos últimos anos.
Entre as várias iniciativas discutidas pelo grupo está a adoção de transações comerciais nas moedas locais dos seus países e não do dólar. A ideia é diminuir a dependência dessas nações em relação à moeda norte-americana.
Mas, durante a campanha presidencial, o então candidato Donald Trump, que venceu a disputa, prometeu aumentar as tarifas sobre as importações de países que adotarem este tipo de medida, o que poderia ter impactos sobre o Brasil e China, por exemplo.
O cientista político e professor de Relações Internacionais do Centro de Estudos Políticos-Estratégicos da Marinha do Brasil, Maurício Santoro, destaca que, no cálculo do governo brasileiro, também pesa o fato de o país já contar com vultosos investimentos chineses.
“No Itamaraty, há forte ceticismo quanto aos benefícios que a Nova Rota da Seda poderia trazer ao Brasil. Como o país já recebe muitos investimentos chineses — é o principal destino deles entre as nações do Sul Global — não haveria muitos ganhos a extras”, diz Santoro.
O cálculo leva em conta a atual situação do Brasil em relação à China.
A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Entre janeiro e setembro deste ano, o fluxo comercial entre os dois países foi de US$ 122 bilhões, um crescimento de 5% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Além disso, a China é um dos principais investidores diretos no Brasil.
Em 2023, a os chineses investiram US$ 1,73 bilhão no país, um aumento de 33% em relação a 2022, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Ainda de acordo com a instituição, desde 2007, a China destinou US$ 72 bilhões em investimentos no Brasil.
Nos últimos anos, a China passou a investir pesadamente em setores como a construção de linhas de transmissão, exploração de petróleo, energia e, mais recentemente, na implantação de fábricas de carros elétricos ou híbridos.