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Por que Brasil resiste a entrar em Nova Rota da Seda da China

Chineses com bandeiras do país aguardam a passagem do presidente Xi Jinping por Copacabana, no Rio de Janeiro, durante a reunião de cúpula do G20, em 19 de novembro

Crédito,Getty Images

Legenda da foto,Visita oficial de Xi Jinping ocorre após participação do presidente chinês na cúpula do G20 no Rio de Janeiro

A visita oficial do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil, nesta quarta-feira (20/11), é marcada por protocolos, forte esquema de segurança e uma série de acordos e memorandos assinados.

Nos últimos meses, diplomatas dos dois países se revezaram em visitas mútuas e reuniões para reunir um “pacote” de entregas para celebrar os 50 anos das relações diplomáticas entre os dois países.

Mas a visita do líder chinês não é marcada apenas pelo que é anunciado.

A expectativa entre diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil nas últimas três semanas é de que a visita do líder chinês também seja marcada por uma ausência: a não adesão do Brasil ao projeto “Cinturão e Rota”, também conhecido como “Nova Rota da Seda”. 

Trata-se de um programa trilionário chinês iniciado em 2013 que prevê a realização de obras e investimentos para ampliar mercados para a China e a presença do país no mundo.

Nos bastidores, os chineses vêm cortejando o Brasil a aderir ao projeto há anos.

Havia até a expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pudesse anunciar uma adesão ao projeto em 2023, quando fez uma visita oficial à China. 

Uma tonelada de cocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês 

Isto, porém, não se concretizou e governo brasileiro vem mantendo a política de seguir perto o suficiente dos chineses sem aderir ao projeto do país asiático.

As investidas chinesas vêm incluindo acenos ao Brasil como a concordância do país para que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assumisse a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como Banco dos Brics, visitas de delegações governamentais chinesas ao Brasil e de brasileiros à China, além de bilhões de dólares em investimentos em diversas áreas.

Mas, mesmo com todas as investidas chinesas, contudo, a expectativa era de que não fosse dessa vez que o Brasil aderisse à “Nova Rota da Seda”.

Confirmando o que já era esperado, em seu discurso ao receber Xi Jinping, Lula descreveu a forma como o Brasil equilibra o desejo chinês de ter o país na "Nova Rota a Seda" e o pragmatismo brasileiro.

Em vez de adesão, Lula prometeu uma espécie de conexão entre o programa chinês e projetos de interesse do Brasil. Para isso, usou o termo que vem sendo repetido por diplomatas brasileiros quando o assunto é mencionado: sinergias.

"Estabeleceremos sinergias entre as estratégias brasileiras de desenvolvimento, como a Nova Indústria Brasil (NIB), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Programa Rotas da Integração Sul-Americana, e o Plano de Transformação Ecológica, e a Iniciativa Cinturão e Rota", disse o presidente brasileiro.

Nas últimas semanas, a BBC News Brasil conversou com diplomatas e especialistas em relações internacionais para entender o que faz com que o país, um dos principais aliados da China fora da Ásia, hesite tanto em aderir à “Nova Rota da Seda”.

Segundo eles, a decisão faz parte de uma mistura de fatores que envolve a tradição diplomática brasileira, o cenário internacional conturbado e a percepção entre os tomadores de decisão brasileiros de que o país teria pouco a ganhar com uma eventual adesão ao projeto.

O que é a “Nova Rota da Seda”

O “Belt and Road Initiative” é o nome em inglês ao que ficou conhecido como “Nova Rota da Seda” ou “Iniciativa Cinturão e Rota”, na tradução direta para o português.

Lançado em 2013 pelo governo chinês, é um projeto trilionário voltado à construção de infraestrutura, incluindo rodovias, ferrovias, portos e obras no setor energético, como oleodutos e gasodutos que conectam a Ásia à Europa.

Estima-se que, desde o início, os investimentos variem entre US$ 890 bilhões (R$ 4,46 trilhões) e US$ 1 trilhão (R$ 5 trilhões).

O nome “Nova Rota da Seda” remete à histórica rota comercial do primeiro milênio que ligava a Ásia à Europa Central.

Originalmente focado na região conhecida como Eurásia, o projeto expandiu-se para regiões como África, Oceania e América Latina.

Segundo o centro de estudos norte-americano sobre relações internacionais Council on Foreign Relations (CFR), 147 países aderiram formalmente ou demonstraram interesse no plano. Isso representa dois terços da população mundial e 40% do PIB global.

Na América Latina, em torno de 20 países integram a iniciativa, incluindo a Argentina, que assinou um memorando de adesão em abril de 2022.

Especialistas consideram o projeto uma estratégia de expansão econômica e política da China, hoje a segunda maior economia global, com previsões anteriores à pandemia indicando que poderia ultrapassar os Estados Unidos até 2028.

No entanto, o projeto enfrenta críticas junto à comunidade internacional, como o risco de superendividamento de países que contratam os financiamentos. Um exemplo foi o Sri Lanka, que em 2018 transferiu para o governo chinês o controle de um porto construído no país com recursos chineses depois que a nação asiática não conseguiu mais pagar as parcelas de sua dívida com o governo de Pequim.

A China rebate essas acusações, alegando que as críticas visam prejudicar sua reputação internacional.

Mas se a China aparenta estar disposta a investir seus recursos e ampliar o fluxo comercial com países como o Brasil, por que o país vem evitando aderir à iniciativa

Tradição e cálculo

Um diplomata brasileiro ouvido em caráter reservado pela BBC News Brasil disse que um dos motivos pelos quais o Brasil não adere à “Nova Rota da Seda” é tradição da política externa brasileira.

Historicamente, o Brasil evita alinhamentos automáticos com superpotências como a China. Mesmo durante a ditadura militar, fortemente apoiada pelo regime norte-americano entre os anos 1964 e 1985, o regime dos generais brasileiros manteve certo distanciamento em relação aos Estados Unidos.

Conhecido como uma potência média ou uma potência regional, o Brasil é conhecido (e eventualmente criticado), por adotar uma política externa que tenta manter diálogo com diferentes blocos e nações enquanto tenta fazer avançar suas próprias agendas no cenário internacional.

A tese por trás desse comportamento é a de que o alinhamento do Brasil a um determinado bloco econômico ou político não gera, necessariamente, benefícios ao país e ainda pode prejudicá-lo em negociações com outros blocos ou nações.

O diplomata disse, por exemplo, que uma adesão à “Nova Rota da Seda” poderia prejudicar as relações do país com outros blocos ou países como os Estados Unidos, que oficialmente vê a China como sua principal adversária geopolítica no mundo.

“Os diplomatas também temem que o Brasil perderia voz e influência nas relações com a China, tendo que negociar com as dezenas de países que formam a iniciativa. Há o risco de retaliações comerciais por parte dos Estados Unidos. Tudo isso somado fez com que o governo brasileiro optasse por não aderir à Nova Rota da Seda”, afirma o professor.

Pablo Ibañez, coordenador do Centro de Altos Estudos da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e ex-pesquisador visitante da Universidade Fudan, em Xangai, na China, também descreve esse cenário.

“O Itamaraty pensa assim: ‘Por que a gente vai passar a ter um alinhamento ainda maior com esse grupo (a China) em um momento extremamente delicado em que, no Ocidente, entende-se que a China é uma aliada da Rússia?’”, diz à BBC News Brasil.

Países europeus e os Estados Unidos veem com desconfiança iniciativas como os Brics, grupo inicialmente fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que vem se expandindo nos últimos anos.

Entre as várias iniciativas discutidas pelo grupo está a adoção de transações comerciais nas moedas locais dos seus países e não do dólar. A ideia é diminuir a dependência dessas nações em relação à moeda norte-americana.

Mas, durante a campanha presidencial, o então candidato Donald Trump, que venceu a disputa, prometeu aumentar as tarifas sobre as importações de países que adotarem este tipo de medida, o que poderia ter impactos sobre o Brasil e China, por exemplo.

O cientista político e professor de Relações Internacionais do Centro de Estudos Políticos-Estratégicos da Marinha do Brasil, Maurício Santoro, destaca que, no cálculo do governo brasileiro, também pesa o fato de o país já contar com vultosos investimentos chineses.

“No Itamaraty, há forte ceticismo quanto aos benefícios que a Nova Rota da Seda poderia trazer ao Brasil. Como o país já recebe muitos investimentos chineses — é o principal destino deles entre as nações do Sul Global — não haveria muitos ganhos a extras”, diz Santoro.

O cálculo leva em conta a atual situação do Brasil em relação à China.

A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. Entre janeiro e setembro deste ano, o fluxo comercial entre os dois países foi de US$ 122 bilhões, um crescimento de 5% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Além disso, a China é um dos principais investidores diretos no Brasil.

Em 2023, a os chineses investiram US$ 1,73 bilhão no país, um aumento de 33% em relação a 2022, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Ainda de acordo com a instituição, desde 2007, a China destinou US$ 72 bilhões em investimentos no Brasil.

Nos últimos anos, a China passou a investir pesadamente em setores como a construção de linhas de transmissão, exploração de petróleo, energia e, mais recentemente, na implantação de fábricas de carros elétricos ou híbridos.

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