Plataformas de internet como Airbnb e Uber têm presença cada vez maior em Portugal. Ali, a "economia compartilhada" floresce como em nenhum outro país da Europa. Mas quem é que lucra com isso?
Compartilhar está na moda em Portugal: ali, a plataforma de aluguel Airbnb oferece mais apartamentos do que na China ou na Alemanha. Recentemente, a chefe do Uber para o sul da Europa, Giovanna D'Esposito, classificou Portugal como "modelo de ouro" da sua empresa.
A economia compartilhada não se tornou apenas um fator econômico importante, mas os portugueses participam dela com grande entusiasmo, Mas pessoas que atuam em categorias como motorista de Uber, de entregador de comida e guia turístico não conseguem ganhar muito. É por isso que economistas e alguns poucos políticos duvidam que o negócio de compartilhamento efetivamente funcione.
Por exemplo, segundo dados do Airbnb, turistas gastaram mais de 2 bilhões de euros (cerca de 8,4 bilhões de reais) no ano passado em Portugal: 115 euros por dia, quase metade disso supostamente nos bairros onde pernoitaram. Isso faz do país o décimo mercado mais importante para a plataforma no mundo, apesar de os habitantes reclamarem cada vez mais de uma "invasão de turistas com malas de rodinhas". Portugal registrou cerca de 3,4 milhões de usuários do Airbnb no ano passado.
No entanto, a plataforma de aluguel de temporada tornou-se uma espécie de modelo de negócio para a classe média, que se muda do centro para bairros mais afastados e mais baratos a fim de alugar seus apartamentos em áreas centrais de cidades como Lisboa por meio do Airbnb.
Rendimentos adicionais e necessários
"Muitos precisam da renda extra para sustentar a família", constata José Soeiro, porta-voz de política econômica da legenda Bloco da Esquerda. Por falta de alternativa para lidar com o aumento do custo de vida, até professores universitários e altos funcionários estão alugando seus apartamentos em plataformas de internet, diz Soeiro, ressaltando que não se trata de compartilhar um apartamento com pessoas de outros países, mas simplesmente da sobrevivência econômica.
"Grande parte dos portugueses ganha apenas o salário mínimo garantido pelo Estado de 600 euros mensais. Como motoristas de Uber, eles consegue guardar mais nos bolsos no final do mês", apontou o sociólogo Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Seu tema de pesquisa é a "uberização" do trabalho em Portugal.
Preço alto
Segundo o sociólogo, o preço do boom da economia compartilhada é alto: com uma receita um pouco maior, os próprios motoristas passam a ter que pagar contribuições previdenciárias e custos operacionais. Além disso, eles também são totalmente responsáveis por acidentes e outros problemas potenciais.
"Muitos também dirigem em seu tempo livre. Têm na verdade um emprego diferente. Até eu mesmo recebi uma oferta. Só é preciso se inscrever. Tudo é incrivelmente fácil", afirmou o sociólogo. Além disso, o governo português está constantemente promovendo empresas inovadoras de empreendedorismo e plataforma digitais. Resultado: nas cidades há agora mais motoristas de Uber do que de táxi.
Elísio Estanque ainda adverte que a economia compartilhada em Portugal gera ainda um paradoxo: a precarização de condições de trabalho que já são ruins. "Não existe jornada fixa de trabalho, garantia de renda, seguridade social. Leis trabalhistas são afrouxadas".
Um motorista de táxi assalariado ganha cerca de mil euros líquidos mensais. Já um motorista do Uber com muitas corridas só consegue acumular cerca de 750 euros a mais no bolso – mas isso antes do pagamento de impostos e contribuições para a seguridade social. E claro que não tem proteção contra o desemprego.
Espaço sem direitos trabalhistas
O político esquerdista José Soeiro diz considerar a "indústria compartilhada" uma "maldição" em vez de uma "bênção", apontando que por isso que seu partido é um dos poucos a exigir mais regulamentação sobre o negócio de plataformas de internet: "O boom da economia compartilhada em Portugal deve-se principalmente ao fato de ela se realizar num espaço quase sem legislação".
E o governo não ousa enfrentar o problema, acrescentou. "Tivemos a grande crise e agora o turismo é um fator econômico importante, o desemprego caiu, ninguém quer se preocupar com o Uber ou o Airbnb", apontou Soeiro. Mesmo que isso crie empregos precários e promova um trabalho autônomo enganador, acrescentou.
No entanto, o governo tomou apenas um medida em relação às regras relaxadas para o Uber e o Airbnb: os rendimentos dos seus prestadores de serviços portugueses devem ser reportados ao fisco do país.
As plataformas de internet, por outro lado, elogiam o silêncio do governo e, à medida que o boom do turismo continua, realizam negócios cada vez mais lucrativos. Também o motorista do Uber Nuno, que preferiu ser chamado apenas pelo primeiro nome, mostrou-se entusiasmado com a economia compartilhada.
Ele dirige para uma firma que presta serviços para o Uber, tendo antes trabalhado para uma empresa de segurança. Ele diz ganhar bem e não se incomodar com a jornada de trabalho de dez horas. "Eu, explorado?", indaga Nuno com certa surpresa. "Todos os outros empregadores fizeram isso comigo antes."
Talvez o compartilhamento não funcione tão bem como se pensa em Portugal.